
INTRODUÇÃO
As mensagens propagadas pela imprensa tornaram-se fatores fundamentais para moldar atitudes e construir a visão que se tem do mundo. Em sua obra, o sociólogo Niklas Luhmann defende que o que conhecemos sobre a sociedade e o mundo em que estamos inseridos só é possível por causa dos meios de comunicação². E, ao longo de sua história, a mídia conseguiu se legitimar como a principal difusora de informações — tornou-se um dos pilares da democracia, que garante ao indivíduo a liberdade de informar e de ser informado³.
Apesar desta visão sobre o jornalismo estar em xeque atualmente, com o descrédito de veículos e profissionais da área⁴, a mídia ainda tem um papel significativo na sociedade contemporânea. Em grande parte, é ela que define o que entra para o debate público ao selecionar quais fatos merecem atenção. Como define a pesquisadora Karin Wahl-Jorgensen, da Cardiff University, “enquanto as notícias não necessariamente dizem o que devemos pensar, elas dizem sobre o que devemos pensar”⁵. De fato, pesquisas apontam que assuntos que se tornam proeminentes na agenda de veículos e recebem coberturas midiáticas extensas passam a ser vistos como mais importantes pelo público⁶.
JORNALISMO DE SAÚDE E A COBERTURA DE PANDEMIAS
Na área da saúde, tanto leigos quanto especialistas costumam ter um primeiro contato com os avanços científicos por meio da mídia. Tais notícias podem ser tão influentes que podem induzir expectativas e comportamentos relacionados à saúde pública de forma mais eficiente do que campanhas governamentais⁷. Logo, a mídia é capaz de moldar a percepção que determinada população tem sobre assuntos de saúde — e, no caso do surto do coronavírus, não foi diferente.
A cobertura midiática sobre epidemias e pandemias já foi alvo de diversas pesquisas. Luisa Massarani, chefe do Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz, analisou como o Jornal Nacional e o Fantástico, programas da TV Globo, fizeram a cobertura jornalística da gripe A (H1N1). O resultado obtido foi que as reportagens buscavam impacto, tinham um tom de alerta e, consequentemente, despertavam pânico. A pesquisadora chama a atenção para o uso de certas palavras, como “pandemia”. “A palavra 'pandemia’, que quer dizer disseminar a doença em escala mundial, mas não necessariamente mortal, pode apavorar as pessoas”⁸.
Em seu artigo, a pesquisadora Wahl-Jorgensen aponta que a crise do coronavírus adquiriu traços mais proeminentes na mídia internacional do que epidemias recentes, como o Ebola⁵. Um estudo da Time Magazine corrobora com essa constatação ao calcular o número de conteúdos publicados durante o primeiro mês das duas epidemias — o Sars-CoV-2 apareceu em 23 vezes mais conteúdos do que o Ebola⁹.
O DESAFIO IMPOSTO PELO CORONAVÍRUS
Em seu artigo, o jornalista Carlos Castilho destacou que a cobertura midiática do coronavírus pôs em evidência o que ele chama de “zonas cinzentas da atividade jornalística”¹º. Para informar o público, redações do mundo inteiro classificaram a pandemia do coronavírus como prioridade. Porém, a falta de conhecimento científico sobre o novo vírus colocou os profissionais da área de comunicação em uma posição delicada — afinal, o que merece ser publicado? Segundo o Instituto Poynter, especializado na análise de problemas no exercício do jornalismo, a ausência de informações e padrões de conduta levou empresas e profissionais a ter que decidir, por conta própria, como lidar com a disseminação do vírus. Por isso, cada pesquisa e descoberta divulgadas, mesmo que ainda em fase de desenvolvimento, tornaram-se pautas em potencial¹¹.
A enorme quantidade de informações oferecidas ao público, tanto de fontes confiáveis quanto anônimas, fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificar a situação atual como uma infodemia — ou seja, uma pandemia de informações¹². Em um debate virtual, Ed Wasserman, reitor da UC Berkeley’s Graduate School of Journalism, afirma: “Nunca vi uma história com tantas dimensões quanto esta. A intensidade do interesse no vírus e as consequências do modo que as informações estão sendo apresentadas para o público são massivas”¹³. A atividade profissional dos jornalistas, mais do que nunca, passou a depender da sensibilidade social e do discernimento político das redações de todo o mundo.
SOBRE A PESQUISA
No Brasil, o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020 pelo Ministério da Saúde¹⁴. Desde então, a cobertura da imprensa brasileira sobre o assunto tem sido ampla, incluindo não só questões sociais e de saúde pública, mas também econômicas e políticas.
De forma a analisar a abordagem da cobertura jornalística no País, este trabalho se debruçou sobre o conteúdo publicado em sites de veículos com maior circulação digital. O formato digital foi escolhido por ser, hoje, a principal fonte de notícias da população brasileira — cerca de 87%, de acordo com o Reuters Digital News Report¹⁵. Inicialmente, Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo fariam objetos da pesquisa, já que são, em ordem decrescente, os sites com mais acessos no País¹⁶. Porém, devido à inconsistências na ferramenta de busca interna d'O Globo, o jornal teve que ser retirado da pesquisa. Espera-se que o resultado deste trabalho contribua para o papel de jornalistas de saúde em futuras coberturas tão complexas quanto a do novo coronavírus.
Para facilitar a análise proposta, foi criada uma linha do tempo com os principais acontecimentos entre 26 de fevereiro e 6 de junho, primeiro e último dia em que foi feito o levantamento de dados.