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ANÁLISE DE DADOS

A base de dados permitiu extrair resultados interessantes sobre a cobertura midiática do novo coronavírus. Ao todo, foram catalogadas 2.105 publicações da Folha de S. Paulo e 2.945 Estado de S. Paulo, totalizando 5.050 publicações feitas sobre a pandemia em apenas 28 dias. Se for desconsiderado o BR Político, responsável por 296 conteúdos do Estadão, o total cai para 4.795, o que ainda é um número expressivo de publicações.

 

DIFERENÇA ENTRE PERÍODOS (P)

Apesar de o Estadão ter publicado mais conteúdos do que a Folha, ambos os veículos tiveram uma porcentagem similar de publicações por período, como pode ser observado no gráfico abaixo.

GRÁFICO 1 - Comparação do número de conteúdos publicados em cada período*

O gráfico 1 também deixa evidente o aumento significativo na quantidade de conteúdos publicados entre o P1, semana em que a pandemia chegou ao Brasil, e o P2, semana em que o País registrou 10 mil casos confirmados de COVID-19. O foco dos veículos sobre o coronavírus foi tão intenso durante o P2 que, sozinho, este intervalo de tempo é responsável por aproximadamente 40% das notícias, colunas e blogs analisados, tanto da Folha quanto do Estadão. É interessante notar que esse número caiu para cerca de 30% no P3 e 20% no P4 em ambos os jornais, ao passo que o número de infectados pelo vírus cresceu exponencialmente no País.

Dentre os 28 dias observados, o mais movimentado foi 7 de abril, justamente durante o P2. Foram 242 conteúdos publicados no Estadão e 143, na Folha, totalizando 385 publicações em um único dia

GRÁFICO 2 - Comparação da média diária de conteúdos publicados em cada período*

26 fev. a 3 mar.

4 a 10 abr.

3 a 9 mai.

31 mai. a 6 jun.

Esse crescimento elevado entre o P1 e o P2 em ambos os veículos pode indicar uma saturação na cobertura do coronavírus feita pela mídia brasileira, algo que já havia sido observado em meios de comunicação internacionais. Alguns fatores apontados por pesquisadores como responsáveis por esse evento são: o interesse do público pela "novidade" aliado à falta de conhecimento científico sobre o vírus, a velocidade

e escala de transmissão da doença, e a busca por distração durante

o isolamento social. ⁵ ⁹ ¹³

O alto número de conteúdos entregue ao público pode acarretar consequências significativas. Existe o risco de falhar na transmissão de informações relevantes devido a um fenômeno chamado information overload, no qual o excesso de dados sobre determinado assunto provoca perda na qualidade da informação adquirida, enfraquecimento do processo de decisão e, principalmente, confusão em relação à mensagem inicial¹⁷. Apesar de reconhecer a importância de disponibilizar informações e dados úteis sobre o novo coronavírus e conscientizar a população sobre estratégias de prevenção, a OMS recomendou reduzir o tempo de exposição a notícias sobre a COVID-19. Segundo a organização, essa atitude também poderia reduzir a incidência de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e estresse.¹⁸

Outro risco é a possibilidade de provocar e disseminar pânico em toda a população. A cobertura da mídia é vital para o debate público e desempenha um papel fundamental na regulação de emoções individuais e coletivas, o que inclui o medo. Segundo a pesquisadora Wahl-Jorgensen, "a proeminência do medo como tema em relatos do coronavírus sugere que grande parte da cobertura midiática do surto é mais um reflexo do medo público do que uma narrativa do que de fato está acontecendo em termos de transmissão do vírus".⁵

Ainda que esteja se referindo à cobertura da violência no Rio de Janeiro, o pesquisador José Augusto de Souza Rodrigues também sustenta algo que pode ser aplicado à crise atual. Segundo Rodrigues, a imprensa é a maior entidade capaz de problematizar um tema e gerar pânico e desordem, principalmente quando ela "dá ênfase no desamparo da população diante de uma situação totalmente fora de controle".¹⁹

EDITORIAS EM DESTAQUE

O comportamento da Folha de S.Paulo e do Estado de S. Paulo também apresenta semelhanças ao analisar a quantidade de conteúdos por editoria.

GRÁFICO 4 - Comparação da quantidade de conteúdos publicados em cada editoria*

Quantidade de conteúdos por editoria

Como é possível observar a partir do gráfico acima, a Folha de S.Paulo priorizou, respectivamente, as editorias Colunas, Economia e Saúde, que somam 55,4% do total de publicações do veículo. Já o Estado de S. Paulo deu prioridade, respectivamente, às editorias Blogs, Saúde e Economia, que somam 57,6%.

Porém, é interessante observar o comportamento das editorias em cada período. Para isso, foram selecionadas as seis seções da Folha e sete seções do Estadão com o maior volume de publicações para formar o gráfico abaixo. A seção de Política do Estadão foi adicionada porque, se o conteúdo do BR Político for considerado, ela ocuparia a terceira posição.

Crescimento do número de publicações por editoria

QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES

EDITORIAS

GRÁFICO 5 - Comparação da quantidade de publicações por editoria nos quatro períodos de análise

Com exceção da editoria Esporte do Estado de S. Paulo, todas as editorias de ambos os veículos apresentaram crescimentos e quedas condizentes com a variação do número total de publicações de cada período (P2 > P3 > P4 > P1). Porém, algumas diferenças merecem ser destacadas. 

 

Na Folha de S.Paulo, o P1 das editorias Colunas, Economia e Saúde é similar, mas há um salto maior no número de colunas publicadas no P2 do que de notícias sobre economia e saúde. Foram 75 colunas a mais, uma diferença de aproximadamente 55% em relação às notícias econômicas, por exemplo. O mesmo padrão é observado na editoria Blogs do Estadão. De 15 posts em blogs durante o P1, um dos menores números se comparado às outras editorias, o Estadão passou a ter 277 posts no P2 — em outras palavras, quase 19 vezes mais do que no período anterior.

 

O boom de textos opinativos entre o P1 e o P2 pode ser explicado pela série de acontecimentos que marcou o mês de março no Brasil veja a linha do tempo. Além do crescimento acelerado do número de infectados pelo coronavírus no País, que passou de 1 caso confirmado no fim de fevereiro para 10 mil casos logo no início de abril, declarações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro provocaram reações fortes em toda a população. Da diminuição da gravidade da COVID-19 até provocações sobre fazer uma festa de aniversário e desrespeitar o isolamento social, o presidente gerou pautas tanto em veículos de imprensa quanto em redes sociais.

 

A área econômica também se tornou um campo fértil para o debate público, já que o Brasil viu o dólar chegar ao recorde histórico de R$ 5 enquanto estados como São Paulo decretavam quarentena obrigatória, com o fechamento do comércio e do início de um longo período de home office.

 

Além das questões internas do País, a mídia brasileira acompanhou o agravamento da crise sanitária no mundo todo — especialmente na Europa e nos Estados Unidos—, o cancelamento de eventos importantes como as Olimpíadas de Tóquio, e as ações da OMS, que decretou pandemia de COVID-9.

 

Com todo esse cenário sendo construído, o aumento do número de notícias nas editorias Cotidiano (Folha de S.Paulo) e Internacional (Folha e Estado de S. Paulo) não foi algo inesperado. Contudo, a evolução da editoria de Política da Folha é uma das mais marcantes — de zero conteúdos relacionados ao coronavírus no P1, passou

para 70 no P2.

Colunas, Blogs e Opinião

Ter editorias opinativas em destaque nesta pesquisa é um resultado notável. Quando somadas, as editorias Colunas, Blogs e Opinião representam, aproximadamente, um terço do total de conteúdos publicados tanto na Folha quanto no Estadão. Entre as possibilidades, pode-se inferir um caráter altamente opinativo da cobertura midiática sobre o coronavírus.

 

Porém, uma imprecisão dentro da categoria Blogs deve ser ressaltada. Apesar de ser amplamente utilizado dentro de veículos digitais, o blog não tem uma definição clara dentro do jornalismo. Isso se torna importante ao observar os números do Estadão. O grande destaque entre os blogs do jornal é o do jornalista Fausto Macedo, com foco em política — sozinho, é responsável por 391 do total de 592 publicações feitas em blogs dentro do veículo. Ele mistura notícias produzidas pela equipe do jornal com artigos de convidados, sem uma proporção definida para cada frente, o que dificulta a sua análise.

Para examinar quais subeditorias tiveram mais textos opinativos sem que a imprecisão citada afetasse os números, o gráfico abaixo contempla apenas as colunas de ambos os jornais.

Subeditorias de colunas publicadas

GRÁFICO 7 - Divisão de colunas em subeditorias

Como pode ser visto no gráfico, mais de  60% dos colunistas da Folha e do Estadão se debruçaram sobre aspectos econômicos e políticos da crise do coronavírus, superando temas de saúde pública. O impacto do vírus na economia foi tão relevante para os colunistas do Estadão que os textos publicados sobre o assunto superam em mais de duas vezes as colunas de política. Além disso, o reflexo da pandemia na cultura foi tão relevante quanto temas políticos para os autores do jornal. 

Dito isso, também é preciso levar em consideração o destaque menor que essas editorias comumente recebem, já que, quando comparado às notícias, o espaço reservado para colunas e blogs nas páginas principais da Folha e do Estadão digital é limitado.

Enquanto os dois veículos analisados carregam muitas semelhanças na abordagem do coronavírus e seus impactos no Brasil, é possível identificar algumas distinções que merecem ser mencionadas.

Saúde versus Economia — Qual crise seria mais importante?

O destaque dado às notícias de saúde e economia em ambos os jornais é justificável e previsível, visto que essas duas áreas são as mais impactadas pela COVID-19 no Brasil e no mundo. Porém, durante a crise do coronavírus, especialistas e oficiais do governo deram a elas traços opostos, ao ponto de suscitar um dos maiores debates atuais: o que os governos devem priorizar em um momento como este, a saúde pública ou a economia do país?

 

Dito isso, é pertinente destacar que, em todos os períodos analisados, o Estadão optou dar mais atenção a temas de saúde do que de economia. Já a Folha teve uma quantidade de publicações semelhante em ambas as editorias, porém deu mais destaque às pautas econômicas, que superam em 35 as de saúde.

 

Política versus Esportes — Informação ou entretenimento?

Outra distinção entre a Folha e o Estadão está nas editorias Política* e Esportes. Com a crise política do governo Bolsonaro intensificada durante epidemia, especialmente pelas declarações do presidente e da "fritura" e demissão do ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, esperava-se que a editoria Política tivesse um amplo destaque nos dois veículos. Contudo, em termos de quantidade de publicações, ela ficou em 7º lugar no Estadão e em 6º lugar na Folha. 

Esse cenário só muda quando levamos em consideração o BR Político. Neste caso, o total de conteúdos da esfera política no Estado de S. Paulo aumentaria para 14,4%, o que tornaria Política a 3ª editoria mais relevante dentro do veículo durante a pandemia.

GRÁFICO 8 - Comparação entre a editoria de Política do Estado de S. Paulo com o BR Polítco

4 a 10 abr.

3 a 9 mai.

31 mai. a 6 jun.

26 fev. a 3 mar.

Outro ponto de atenção é a relevância concedida à editoria Esportes dentro do Estado de S. Paulo. A editoria ficou em 4º lugar, com 13,2% do total de conteúdos relacionados ao coronavírus no veículo, mais do que o dobro da editoria Política*. Apesar do valor cultural do esporte no Brasil, especialmente do futebol, a ênfase colocada na editoria durante uma crise sanitária de escala mundial traz à tona duas questões: a espetacularização e mercantilização do jornalismo, impactado pela indústria cultural; e o peso que tem o número de acessos para empresas do ramo. Em muitas ocasiões os grandes conglomerados de mídia são influenciados a privilegiar o que atrai a atenção de indivíduos ao invés de pautas de interesse público, fundamentais para manutenção da democracia.²º

*Desconsiderando o BR Político

Trabalho de Conclusão de Curso

Escola de Comunicações e Artes

Universidade de São Paulo

Realizado por Paula Fernandes Lepinski

Com orientação de Prof. Dr. André Chaves de Melo Silva

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