
ANÁLISE DE MANCHETES
É possível causar diferentes sensações e sentimentos no leitor dependendo do uso e da frequência de algumas palavras em títulos e textos, particularmente em situações delicadas como a atual crise sanitária. Logo, observar os termos mais repetidos pela imprensa, assim como aqueles que possuem forte relação com o coronavírus, contribui para uma avaliação mais aprofundada da cobertura midiática.
O medo, por exemplo, representou um papel considerável na cobertura do surto de COVID-19 realizada por veículos de língua inglesa ao redor do mundo. Uma pesquisa conduzida pela Cardiff University rastreou, de 12 de janeiro a 13 de fevereiro de 2020, 9.387 matérias sobre o assunto em quase 100 jornais de alta circulação e concluiu que 1.066 delas mencionavam a palavra “fear” (“medo”, em português) ou palavras similares.⁵ O resultado é relevante a medida que o pavor de doenças contagiosas e potencialmente mortais está enraizado profundamente na história sociocultural de países do Ocidente — uma epidemia ou pandemia não é apenas uma crise de saúde pública, é também uma narrativa construída com imagens emblemáticas de eventos anteriores, como a Peste Negra e a Gripe Espanhola.²¹
No gráfico abaixo, é possível ver quais palavras foram as mais repetidas nas manchetes da Folha de S.Paulo e do Estado de S. Paulo:
Repetições de palavras em manchetes
GRÁFICO 9 - Número de repetições por palavra e porcentagem de manchetes em que a palavra aparece
Novamente, os dois jornais trazem semelhanças relevantes. Em ambos, as mesmas nove palavras estão entre as mais mencionadas em manchetes. São elas: "coronavírus", "COVID", "pandemia", "Brasil", "contra", "Bolsonaro", "crise", "quarentena" e "morte".
Mais de 33% dos títulos trazem a palavra “coronavírus” ou “COVID”. “Pandemia”, um dos termos que especialistas defendem que seja usado com cautela pela imprensa⁸, também compõe um número alto de manchetes: 185 na Folha (8,8%) e 269 no Estadão (10%). Outra palavra que merece atenção devido ao seu teor negativo é "crise", que aparece em cerca de 3,6% do títulos de ambos os jornais.
É possível observar também que, proporcionalmente, o presidente Jair Bolsonaro foi citado duas vezes mais em títulos da Folha do que do Estadão. Mesmo em números absolutos a Folha ficou acima do Estadão nesse quesito — ainda que tenha publicado 544 textos a menos do que o concorrente nos 28 dias de análise, a Folha veiculou 75 conteúdos a mais mencionando o nome do presidente no título.
O mesmo aconteceu em relação à palavra "cloroquina". O medicamento, utilizado no tratamento e profilaxia de malária, foi objeto de discussões sobre a sua aplicação no tratamento de COVID-19 e teve como um de seus maiores defensores o próprio presidente do Brasil. Ainda que seja mencionada menos vezes do que Bolsonaro, "cloroquina" aparece, proporcionalmente, quase duas vezes mais em manchetes Folha. Além disso, o jornal também deu maior ênfase em "quarentena", colocando o termo em 5,1% dos títulos, enquanto o Estadão usou a palavra em 3,5%.
Por fim, merece destaque a palavra "salário" em manchetes do Estado de S. Paulo. Assim como a palavra "Bolsonaro" na Folha, "salário" apareceu duas vezes mais em títulos do Estadão no período de análise. A maior responsável por isso é a editoria Esportes, que contém 21 das 49 manchetes que mencionam a palavra.